De terapeuta a vendedora de cocada!

Demorei pra perceber que a grande sacada pra ele não era COMER a cocada, mas sim COMPRAR a cocada!

11/21/20232 min read

As tardes de segundas-feiras são especiais pra mim. Atendo 3 residentes de uma instituição de longa permanência para idosos. Entre um atendimento e outro, adoro “jogar uma conversinha fora” com os outros residentes. É óbvio que as conversas nunca são jogadas fora, nem pra mim, nem pra eles. Adoro vários deles, mas tem um que é especial pra mim: o Seu João. Desde que ele chegou, eu logo simpatizei com ele, mas demorou para nos sintonizarmos e o melhor foi como isso aconteceu.

Sempre que eu passava por ele, indo para um dos atendimentos ele me perguntava: o que tu traz de bom ai nessa caixa? Na primeira vez respondi: Ah Seu João, tenho muitas coisas aqui: livros, canetas, tesoura, tinta, jogos. Ah...mas isso não me interessa! Achei que eram doces!

Na outra semana: O que tu traz de bom aí nessa caixa? Ah Seu João...hoje tenho linhas, tecido, botões. Ah!!! Isso não quero! E o que o senhor gostaria? Uma cocada!

Mais uma vez: Entro na sala com minha caixa e ele diz: Lá vem ela com aquela caixa dela! O que tem de bom hoje? O que o Senhor gostaria? Adoraria uma cocada! Hoje infelizmente não tenho, já vendi todas.

Na semana seguinte me preparei: liguei pra clínica pra confirmar que ele podia comer doce, passei em uma padaria...na verdade em 3 padarias. Quando encontrei cocadas, na terceira padaria, elas vinham em uma bandeja com 6 unidades. Pensei: Capaz de eu matar o véio. Perguntei se a moça embalaria cada uma individualmente em papel filme. Ela disse que sim e ainda abusei pedindo para acamodá-las todas em uma embalagem plástica. Assim eu poderia colocar dentro da minha caixa e simular a vendedora de cocadas da praia. Eu saí da padaria rindo por dentro!

Cheguei empolgada na clínica, balançando minha caixa como nunca! Vejo seu João e ele logo me lança a esperada pergunta: O que tem de bom aí nessa caixa hoje? Eu me sentindo a malandra: O que o senhor gostaria, Seu João? Ah, poderia ser um doce! Mas qual doce? Um chocolate!! (Quase não consegui segurar o riso! Que carioca malandro!) Chocolate já vendi tudo! E cocada, tu tem? Ah! Cocada eu tenho!

Abri minha caixa com o maior prazer mostrando minha embalagem plástica cheia de cocadas!!

Estão bonitas! Vou ficar com uma! Ele colocou a mão nos bolsos como quem procura por dinheiro. Ficou sem jeito. Deixa que vou colocar na sua conta, Seu João. Ah, tá bem. No outro dia, se eu não tiver por aqui quando tu passar, deixo com as meninas.

Fui pro atendimento realizada e lá tive uma grande ideia: vou me aproveitar do Alzheimer do Seu João e “vender” mais umas cocadas pra ele! Terminou meu atendimento, voltei pra sala faceira, balançando minha caixa, como se estivesse chegando na clínica. Passo pelo Seu João como quem não quer nada, ele me olha e diz: Tô te devendo, né?

Não aguentei!!!!!!

Demorei pra perceber que a grande sacada pra ele não era COMER a cocada, mas sim COMPRAR a cocada!! A alimentação na clínica é super completa e variada e caso ele quisesse comer algo diferente, poderia pedir ao filho, que certamente traria. Mas COMPRAR era algo que ele não fazia há bastante tempo. A autonomia de escolher o que comer, na hora que quer comer, pagar e realizar. Isso é algo tão simples, algo que fazemos todos os dias e não percebemos que talvez dê mais prazer do que, de fato, comer!

Desde lá nós viramos amigos, conversamos toda semana! E como uma boa amiga, eu não deixei de ser a vendedora, porque entendi que não se trata de levar uma cocada de vez em quando para o meu amigo, se trata de vender pra ele quando ele quiser comprar!