O dia em que a terapeuta chorou!
E eu fiquei ali, agradecendo em silêncio a Deus pela oportunidade de aprendizado e crescimento ao ser consolada pelo meu atendido!
11/21/20232 min read
Um dia antes do atendimento, a filha do ancião me envia a seguinte mensagem:
- Tina! Amanhã é teu dia com o pai, né? Quero te contar que estive na clínica no início da semana e as meninas me disseram que o pai está puxando bastante a sonda. Eu também achei ele brabo ontem.
Pois bem...chegando lá, pergunto para o Seu Fulano:
- Seu Fulano, sua filha me disse que o senhor anda brabo e está puxando sua sonda.
Ele mostra com a mão o sinal de mais ou menos...
- Hum...o senhor está mais ou menos brabo? É isso?
Ele faz com a cabeça e com a expressão facial o sinal de não...
- Ah...não é bem este o seu sentimento...não é brabo que o senhor anda...é outra coisa...Isso?
Ele mostra com a cabeça que sim!
E aí se seguiu um longo diálogo de perguntas, sinais e expressões faciais, tudo isso pra driblar a afasia (dificuldade de se comunicar pela fala) que Seu Fulano passou a apresentar pós AVC.
- Bom...se o senhor não anda brabo... o senhor anda triste?
Acenou que não.
- Chateado?
Acenou que não.
- Nervoso?
Acenou que não.
- Irritado?
Fez que sim com a cabeça!
- Ah...irritado, entendi. Mais algum sentimento que o senhor queira contar, seu Fulano?
Fez que sim com a cabeça!
- Hum...talvez o senhor ande meio depressivo?
Acenou que sim com a cabeça!
- Entendi...irritado e depressivo. E tem alguma situação especifica que tem deixado o senhor assim ou é um contexto todo?
Seu Fulano mostrou com a mão o número 1.
- Ah...então vamos ver se conseguimos chegar lá...é algo ou alguém aqui da clínica que está lhe incomodando?
Acenou que não.
- Seria saudades? (perguntei isso pensando na sua esposa que faleceu há 3 anos)
Os olhinhos brilharam e ele fez que sim com a cabeça!
- Saudades de quem seu Fulano?
Então ele fez um sinal: levou a mão até a frente da boca e sacudiu todos os dedos juntos.
- Saudades de comer?
Agora os olhos quase me engoliram enquanto ele fazia que sim com a cabeça.
Eu senti como se tivesse levado um soco no estômago, as lágrimas rolaram soltas no meu rosto. Um misto de tristeza com alegria, tristeza por ele precisar passar por isso e alegria por ele ter conseguido se fazer entender, ter a chance de desabafar.
- Puxa vida, Seu Fulano...eu nem imagino como é passar por isso...e sinto muito que tenha que ser assim. A sua sonda lhe alimenta com todos os nutrientes que o senhor precisa, mas o prazer de comer a gente só sente quando come pela boca. Eu realmente sinto muito que para o senhor se manter bem tenha que estar privado deste prazer!
Seu Fulano, agora mais aliviado, depois de falar (sem falar) sobre seus sentimentos, passou a mão no meu rosto, como quem diz: “não fica assim, tá tudo bem!” E eu fiquei ali, agradecendo em silêncio à Deus pela oportunidade de aprendizado e crescimento ao ser consolada pelo meu atendido!